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Videogames e violência: conheça as verdades e mentiras

É recorrente a tese de que videogames motivam de modo determinante comportamentos e casos violentos entre crianças e adolescentes.

Video Game
Crédito: Reprodução/Creative Commons

Em meio aos recentes atentados a escolas brasileiras, o tópico violência e videogames voltou à tona.

A polêmica aumentou após as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última terça-feira (18).

Na ocasião, Lula condenou os jogos de tiro e os colocou como uma das razões pela qual os episódios de chacina têm crescido no país.

Na quarta (18), a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames) se opôs a tal discurso.

A entidade, cuja finalidade é desenvolver a indústria de games, viu nas declarações de Lula um pretexto para explicar problemas pertinentes ao Estado:

– Dizer que ‘os jogos ensinam a molecada a matar’ é, no mínimo, irresponsável e demonstra desconhecimento, – afirmou a Abragames, que continuou:

– Os jogos falam de amor e de educação, assim como falam de cultura, de inclusão social, de diversidade, de superação, de respeito.

[…] falam de esporte e tantos outros temas extremamente importantes e que nem sempre têm o protagonismo que deveriam ter na sociedade –, concluiu a entidade.

A Abragames mencionou estudos internacionais que afirmam não haver relação de causa e efeito entre os games e comportamentos violentos.

Na mesma terça-feira, gamers brasileiros se pronunciaram contrariamente às afirmações de Lula.

O bicampeão mundial de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), um dos jogos de tiro mais famosos, Gabriel “FalleN” recorreu às mídias sociais para tratar do assunto.

– Se o presidente tivesse ideia dos seriados disponíveis na Netflix, acabava o mundo das séries. [Estou na] temporada 4 de ‘You’ e ainda não cometi um homicídio –, comparou FalleN.

O influenciador Felipe Neto também opinou a respeito:

– Essa análise é rasa, ultrapassada e não reflete a realidade. Mais um erro grotesco na comunicação do Presidente –, publicou o influenciador..

O que revelam as últimas pesquisas envolvendo videogame e violência?

A tese de que videogames têm relação direta com violência é debatida desde o surgimento dos jogos. Aliás, tem a ver com uma tendência reacionária de muitos setores da sociedade com quaisquer novidades que influenciem os jovens.

Foi assim também com as histórias em quadrinhos, que nos Estados Unidos eram submetidas desde 1954 ao Comics Code Authority (CCA), entidade regulatória das publicadoras.

A CCA seguiu uma linha de controle moral que ganhou amplitude com a publicação A Sedução dos Inocentes, do psiquiatra norte-americano Fredric Wertham.

Amplificação com atentados

O atentado a tiros na Escola Columbine, em 1999, nos Estados Unidos, é citado como um estopim para a propagação de questões que envolvem jovens e violência. Desde então, várias pesquisas de fato foram feitas para avaliar o ponto.

A ideia se fortaleceu principalmente após alguns exames iniciais, que teriam ligado jogos violentos à agressividade dos usuários.

Em 2016, a Academia Americana de Pediatria (AAP) anunciou que os videogames não deveriam usar pessoas ou outros seres vivos como alvos, nem dar metas por matar.

Segundo a entidade, isso ensinaria as crianças “a associar prazer e sucesso à habilidade de causar dor e sofrimento” a outrem.

De acordo com a AAP, haveria uma conexão expressiva de jogos violentos com atitudes agressivas.

Jogos como válvula de escape

Outros estudos, contudo, indicam que, em vez de inclinar os usuários à violência, os videogames podem reduzir a agressão.

Isso porque permitiriam às pessoas colocarem a agressividade para fora por meio dos jogos.

Neste sentido, ainda em 2016, estudiosos examinaram estatísticas de crimes e constataram que a violência diminuiu nas semanas seguintes à liberação de games famosos:

– Quando se mantém homens jovens ocupados com coisas de que gostam, esportes ou jogos em que o jogador é o próprio atirador, é possível que você os mantenha fora das ruas e longe de problemas –, disse na ocasião Christopher Ferguson, professor de Psicologia da Universidade de Stetson.

Antes, em documento de 2015, a Associação de Psicologia dos Estados Unidos também comunicara ter encontrado uma relação sólida entre o uso de games e o aumento de comportamentos, cognições e afetos agressivos.

Ainda que se afirmasse que as provas eram insuficientes para atribuir tal agressão à violência, suas conclusões confirmavam uma noção antiga de que novas tecnologias e imagens fortes pudessem implicar violência real.

Mas, segundo o professor de Comportamento Humano e Tecnologia da Universidade de Oxford Andrew Przybylski, esse resultado não se sustenta por novas pesquisas. O próprio Przybylski encabeçou um estudo com mais de mil adolescentes e pais.

Viu-se ali que os jovens que jogam videogame com regularidade não ficam mais dispostos à violência do que aqueles que não o fazem.

Os players podem, com efeito, expressar sentimentos de irritação graças a algum fracasso no jogo. Contudo, esse comportamento não se relaciona diretamente com ações agressivas concretas:

– A inclinação é que a sociedade se preocupe com novas tecnologias; pais, políticos se envolvem; e talvez os pesquisadores não tenham muita experiência com elas.

Por isso, as poucas tentativas de examinar o tema são feitas de um jeito bastante inadequado.

Mas, com o tempo, as evidências se tornaram bem nítidas: onde há correlações, elas se devem provavelmente a um terceiro fator. Quer dizer, correlação não é causa – afirma o especialista.

Um exemplo, pontua Przybylski, é que os meninos têm mais probabilidade de jogar videogames e sucede que são, em geral, mais agressivos que as meninas.

Contudo, ser agressivo não necessariamente significa que ele cometerá um assassinato. Sem dúvida, quando um jogo é bastante difícil, muito irritante ou quando o jogador perde, ele fica bravo; mas daí a dizer qualquer outra coisa é diferente.

A pergunta que se deve fazer a si mesmo é a seguinte: as pessoas saem para praticar atentados em massa após desistirem, irritadas, do Call of Duty? –, questiona o professor.

Para ele, a resposta é não: a maioria não realiza ações violentas por causa de um jogo, seja videogame ou qualquer outro.

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